As cartas não endereçadas - Carta 1

Clara,

    Hoje eu estava olhando um de seus quadros antigos. Ele tem uma delicada beleza a qual eu admiro. Traços finos e simples que constituem as formas e as linhas. Obrigada por não ter levado esse embora junto com você. É o meu favorito. Passei a crer que nem os grandes o alcançam. Monet, Van Gogh, Michelângelo, Frida... não chegam a seus pés. Tudo isso porque ele foi feito por suas mãos doces que eu costumava amar e que sinto tanta falta. 
    A casa é fria sem você. Foi embora e levou todo o calor. Desde o dia em que você me abraçou pela última vez e saiu pela porta com todas as suas coisas e seus olhos de chuva, cada canto murchou. É tudo triste e melancólico. Eu voltei a beber. Eu sei que é ruim, me desculpa, mas esperar o seu perdão é em vão porque eu sei que você não vai ler essa carta. Nem essa e nem as outras que eu te mandei.
    Eu ainda acordo esperando encontrar o seu par de olhos de mel. Lembro perfeitamente das manhãs, quando o sol entrava pela janela e refletia nas ondas dos seus cabelos. Como são lindas. Você acordava mais cedo que eu. Ficava me esperando sentada na beira da cama lendo um de seus livros e tomando café. Seu cheiro de flor tomava conta do espaço. E ainda toma. 
    Esses dias abri o seu armário. Você esqueceu de levar aquele lenço que tanto gostava. Tive vontade de bater à sua porta. Usar essa desculpa para te ver mais uma vez. Confesso que fantasiei tudo. Eu chego pela tarde, o sol quase indo embora. Visto aquela camisa velha que você gostava e te levo flores. Girassóis. Você demora para abrir a porta. Eu penso em desistir, deixar o lenço no seu tapete de entrada e sair correndo. O peito bate forte. As mãos suam. Vou embora, viro as costas, o lenço ainda nas mãos. Teodoro! Você chama meu nome. Nossos olhos se encontram e isso diz tudo. Hoje o que me resta é o lado da cama vazio. E o seu lenço, que eu não devolvi.

Do seu antigo amor,


Teodoro

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